Author: | Zero Papel, François-René Chateaubriand | ISBN: | 1230000030712 |
Publisher: | (zero papel) | Publication: | November 7, 2012 |
Imprint: | Language: | Portuguese |
Author: | Zero Papel, François-René Chateaubriand |
ISBN: | 1230000030712 |
Publisher: | (zero papel) |
Publication: | November 7, 2012 |
Imprint: | |
Language: | Portuguese |
«Eu era ainda muito moço quando concebi a ideia de escrever a epopeia do homem da natureza, ou de pintar os costumes dos selvagens, ligando-os a qualquer acontecimento conhecido. Afora a descoberta da América, nenhum assunto me pareceu tão importante, sobretudo para os franceses, como a terrível matança dos Natchez, na Luisiana em 1727. A conspiração de todas as tribos índias para libertar o Novo Mundo duma escravidão de dois séculos, figurou-se-me quase tão feliz assunto como a conquista do México. Tracei alguns fragmentos desta obra, mas conheci desde logo que me faltavam as verdadeiras cores, e que, para tornar fidelíssimo o quadro, precisava de seguir o exemplo de Homero, visitando os povos cujos costumes queria descrever.
Em 1789 comuniquei ao sr. de Malesherbes o projeto que formava de me transportar à América. Todavia, para dar à minha viagem um fim útil, planeei descobrir por terra a tão procurada passagem, acerca da qual o próprio Cook deixara dúvidas. Parti, percorri as solidões americanas, e voltei com projetos da nova viagem, a qual devia prolongar-se por nove anos. Era meu intento atravessar todo o continente da América setentrional, subir ao longo das praias, pelo norte da Califórnia, e volver pela baía de Hudson, ladeando o polo. O sr. de Malesherbes incumbiu-se de dar conta ao governo destes planos, e foi então que lhe li os fragmentos da pequena obra, que hoje publico. Veio a Revolução e destruiu-me todos os projetos. Banhado no sangue de meu único irmão, de minha cunhada e de seu nobilíssimo pai, tendo visto morrer minha mãe e minha talentosa irmã em resultado de maus tratos que lhes infligiram nos cárceres, eu vagueei por terras estrangeiras, onde o único amigo que me restava se apunhalou nos meus braços.
A Atala foi escrita no deserto, à sombra das barracas dos selvagens. Não sei se o público apreciará essa história, que sai de todos os caminhos traçados e que vem mostrar-lhe usos e paisagens inteiramente desconhecidos na Europa. Não tem aventuras o romance. É uma espécie de poema, entre descritivo e dramático; todo o seu interesse consiste na pintura de dois amantes vagueando pelos ermos, e no quadro das inquietações do amor na paz dos desertos. Quis dar à obra formas antigas; por isso a dividi em prólogo, narrativa e epílogo. As partes principais do conto têm também o seu título, como «Os caçadores», «Os colonos», etc. Era assim que nos primeiros séculos da Grécia os rapsodos cantavam sob diferentes nomes fragmentos da Odisseia e da Ilíada.
Direi também que não foi meu intuito mover o leitor a lágrimas; o erro afirmado, como tantos, por Voltaire de que os bons livros são os que mais fazem chorar, figura-se-me perigoso. Dramas há, de que ninguém quisera ser autor e que rasgam o coração muito mais do que a Eneida.
Foros de grande escritor nem só os conquista quem tortura a alma dos outros. As verdadeiras lágrimas são as que inspira uma bela poesia; urge que as provoquem por igual a admiração e a dor.» -- Chateaubriand.
«Eu era ainda muito moço quando concebi a ideia de escrever a epopeia do homem da natureza, ou de pintar os costumes dos selvagens, ligando-os a qualquer acontecimento conhecido. Afora a descoberta da América, nenhum assunto me pareceu tão importante, sobretudo para os franceses, como a terrível matança dos Natchez, na Luisiana em 1727. A conspiração de todas as tribos índias para libertar o Novo Mundo duma escravidão de dois séculos, figurou-se-me quase tão feliz assunto como a conquista do México. Tracei alguns fragmentos desta obra, mas conheci desde logo que me faltavam as verdadeiras cores, e que, para tornar fidelíssimo o quadro, precisava de seguir o exemplo de Homero, visitando os povos cujos costumes queria descrever.
Em 1789 comuniquei ao sr. de Malesherbes o projeto que formava de me transportar à América. Todavia, para dar à minha viagem um fim útil, planeei descobrir por terra a tão procurada passagem, acerca da qual o próprio Cook deixara dúvidas. Parti, percorri as solidões americanas, e voltei com projetos da nova viagem, a qual devia prolongar-se por nove anos. Era meu intento atravessar todo o continente da América setentrional, subir ao longo das praias, pelo norte da Califórnia, e volver pela baía de Hudson, ladeando o polo. O sr. de Malesherbes incumbiu-se de dar conta ao governo destes planos, e foi então que lhe li os fragmentos da pequena obra, que hoje publico. Veio a Revolução e destruiu-me todos os projetos. Banhado no sangue de meu único irmão, de minha cunhada e de seu nobilíssimo pai, tendo visto morrer minha mãe e minha talentosa irmã em resultado de maus tratos que lhes infligiram nos cárceres, eu vagueei por terras estrangeiras, onde o único amigo que me restava se apunhalou nos meus braços.
A Atala foi escrita no deserto, à sombra das barracas dos selvagens. Não sei se o público apreciará essa história, que sai de todos os caminhos traçados e que vem mostrar-lhe usos e paisagens inteiramente desconhecidos na Europa. Não tem aventuras o romance. É uma espécie de poema, entre descritivo e dramático; todo o seu interesse consiste na pintura de dois amantes vagueando pelos ermos, e no quadro das inquietações do amor na paz dos desertos. Quis dar à obra formas antigas; por isso a dividi em prólogo, narrativa e epílogo. As partes principais do conto têm também o seu título, como «Os caçadores», «Os colonos», etc. Era assim que nos primeiros séculos da Grécia os rapsodos cantavam sob diferentes nomes fragmentos da Odisseia e da Ilíada.
Direi também que não foi meu intuito mover o leitor a lágrimas; o erro afirmado, como tantos, por Voltaire de que os bons livros são os que mais fazem chorar, figura-se-me perigoso. Dramas há, de que ninguém quisera ser autor e que rasgam o coração muito mais do que a Eneida.
Foros de grande escritor nem só os conquista quem tortura a alma dos outros. As verdadeiras lágrimas são as que inspira uma bela poesia; urge que as provoquem por igual a admiração e a dor.» -- Chateaubriand.