Bom-senso e bom-gosto: Folhetim a proposito da carta que o senhor Anthero do Quental dirigiu ao senhor Antonio Feliciano de Castilho

Nonfiction, Religion & Spirituality, New Age, History, Fiction & Literature
Cover of the book Bom-senso e bom-gosto: Folhetim a proposito da carta que o senhor Anthero do Quental dirigiu ao senhor Antonio Feliciano de Castilho by Manuel Pinheiro Chagas, Library of Alexandria
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Author: Manuel Pinheiro Chagas ISBN: 9781465565044
Publisher: Library of Alexandria Publication: July 29, 2009
Imprint: Library of Alexandria Language: Portuguese
Author: Manuel Pinheiro Chagas
ISBN: 9781465565044
Publisher: Library of Alexandria
Publication: July 29, 2009
Imprint: Library of Alexandria
Language: Portuguese
A carta do sr. Anthero do Quental ao sr. Castilho—Motivo por que tomo a palavra—O sr. Anthero apanhado em «negligé»—Vem a proposito o baixo-profundo Marinozzi, o Banco Ultramarino, D. Ignez de Castro e Camões—As novidades velhas—As porcelanas da Russia—Cita-se Nicoláo Tolentino—Entra-se na questão do ideal—Evocação perigosa—As escolas da decadencia—Não falta Victor Hugo—Para que servem as imagens—O manto de Hercules—As aguias e as galinhas. Publicou-se ha tempo e tem-se espalhado em Lisboa uma carta dirigida pelo sr. Anthero do Quental ao sr. Antonio Feliciano de Castilho, carta em que o poeta das Odes modernas protesta violenta e virulentamente contra a censura, irrogada pelo cantor do Amor e Melancholia á desastrada escola, de que o sr. Anthero do Quental teve a triste honra de ser um dos fundadores. Fôra lavrada essa censura no artigo de critica litteraria com que o sr. Castilho acompanhou o pobre poema, que ahi publiquei, e que ficou d'essa fórma illustre. Marengo e Austertilz, diz Victor Hugo no prologo das Orientaes, eram duas ignoradas aldeias; immortalisou-as um dos lampejos victoriosos da espada de Napoleão. Não intento responder á carta; ainda que a pessoa, a quem ella é dirigida, esteja dispensada de responder pela inconveniencia do ataque, não me compete a mim substituil-a. Penna mais competente e mais authorisada por todos os motivos se está preparando para isso;[1] mas eu, que fui um dos primeiros a accusar de falso, de affectado, de absurdo, de gongorico o estylo da escola de Coimbra, hoje, que uma das pythonizas desce da tripode, e vem, em linguagem accessivel aos mortaes, explicar os oraculos, e lançar a luva aos que zombaram dos livros sybillinos, não desamparo o meu posto, e apresso-me a descer á liça, onde encontro afinal um adversario. Não via até agora senão sombras impalpaveis, que fluctuavam nas brumas das abstracções, e se revestiam de um certo ideal, alugado a tanto por ode nos algibebes da Allemanha. Linguagem accessivel aos mortaes, disse eu já, e repito agora.{4} «Uma das maiores provas do absurdo d'aquelle estylo, dizia-me um dia d'estes Bulhão Pato illuminando a questão com um dos admiraveis lampejos do seu espirito de poeta, é que até para o defenderem precisam de o abandonarem.» Mais ainda, digo eu; a prova de que esse estylo é affectado é que o sr. Anthero do Quental, quando o seu espirito, excitado pela critica justa ou injusta, que lhe foi feita, se levantou de um impeto para defender-se, quando a palavra lhe brotou espontaneamente dos labios, não procurou phraseado nebuloso, não adoptou fórmas arrevezadas, deixou-a irromper envenenada mas vehemente, resvalar pelo declive natural, reflectir na torrente espumosa o esplendor do sol claro e limpido, o desanuviado azul do nosso firmamento. Apanhámol-o em flagrante delicto de naturalidade. Surprehendemol-o antes de ir para o toucador, sem peruca, sem carmim, sem pó de arroz. É verdade que o vimos tambem em mangas de camisa, e de mangas arregaçadas. Mas antes isso, sr. Anthero do Quental, antes isso do que vestir aquella casaca allemã, tão safadinha já, e que nos quer dar por nova. Innovar, inventar, sr. Anthero do Quental! no tempo de Henrique Heine já essa casaca estava no fio, e ainda encontrou em Coimbra quem a arremendasse! Ah! Coimbra, terra de encanto, do Mondego amena flor o que te falta são alfaiates, que não tenham só obra feita, vinda pelo paquete de Bordeos
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A carta do sr. Anthero do Quental ao sr. Castilho—Motivo por que tomo a palavra—O sr. Anthero apanhado em «negligé»—Vem a proposito o baixo-profundo Marinozzi, o Banco Ultramarino, D. Ignez de Castro e Camões—As novidades velhas—As porcelanas da Russia—Cita-se Nicoláo Tolentino—Entra-se na questão do ideal—Evocação perigosa—As escolas da decadencia—Não falta Victor Hugo—Para que servem as imagens—O manto de Hercules—As aguias e as galinhas. Publicou-se ha tempo e tem-se espalhado em Lisboa uma carta dirigida pelo sr. Anthero do Quental ao sr. Antonio Feliciano de Castilho, carta em que o poeta das Odes modernas protesta violenta e virulentamente contra a censura, irrogada pelo cantor do Amor e Melancholia á desastrada escola, de que o sr. Anthero do Quental teve a triste honra de ser um dos fundadores. Fôra lavrada essa censura no artigo de critica litteraria com que o sr. Castilho acompanhou o pobre poema, que ahi publiquei, e que ficou d'essa fórma illustre. Marengo e Austertilz, diz Victor Hugo no prologo das Orientaes, eram duas ignoradas aldeias; immortalisou-as um dos lampejos victoriosos da espada de Napoleão. Não intento responder á carta; ainda que a pessoa, a quem ella é dirigida, esteja dispensada de responder pela inconveniencia do ataque, não me compete a mim substituil-a. Penna mais competente e mais authorisada por todos os motivos se está preparando para isso;[1] mas eu, que fui um dos primeiros a accusar de falso, de affectado, de absurdo, de gongorico o estylo da escola de Coimbra, hoje, que uma das pythonizas desce da tripode, e vem, em linguagem accessivel aos mortaes, explicar os oraculos, e lançar a luva aos que zombaram dos livros sybillinos, não desamparo o meu posto, e apresso-me a descer á liça, onde encontro afinal um adversario. Não via até agora senão sombras impalpaveis, que fluctuavam nas brumas das abstracções, e se revestiam de um certo ideal, alugado a tanto por ode nos algibebes da Allemanha. Linguagem accessivel aos mortaes, disse eu já, e repito agora.{4} «Uma das maiores provas do absurdo d'aquelle estylo, dizia-me um dia d'estes Bulhão Pato illuminando a questão com um dos admiraveis lampejos do seu espirito de poeta, é que até para o defenderem precisam de o abandonarem.» Mais ainda, digo eu; a prova de que esse estylo é affectado é que o sr. Anthero do Quental, quando o seu espirito, excitado pela critica justa ou injusta, que lhe foi feita, se levantou de um impeto para defender-se, quando a palavra lhe brotou espontaneamente dos labios, não procurou phraseado nebuloso, não adoptou fórmas arrevezadas, deixou-a irromper envenenada mas vehemente, resvalar pelo declive natural, reflectir na torrente espumosa o esplendor do sol claro e limpido, o desanuviado azul do nosso firmamento. Apanhámol-o em flagrante delicto de naturalidade. Surprehendemol-o antes de ir para o toucador, sem peruca, sem carmim, sem pó de arroz. É verdade que o vimos tambem em mangas de camisa, e de mangas arregaçadas. Mas antes isso, sr. Anthero do Quental, antes isso do que vestir aquella casaca allemã, tão safadinha já, e que nos quer dar por nova. Innovar, inventar, sr. Anthero do Quental! no tempo de Henrique Heine já essa casaca estava no fio, e ainda encontrou em Coimbra quem a arremendasse! Ah! Coimbra, terra de encanto, do Mondego amena flor o que te falta são alfaiates, que não tenham só obra feita, vinda pelo paquete de Bordeos

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