Author: | Mário de Sá-Carneiro | ISBN: | 9789898698469 |
Publisher: | Projecto Adamastor | Publication: | September 28, 2016 |
Imprint: | Projecto Adamastor - Clássicos | Language: | Portuguese |
Author: | Mário de Sá-Carneiro |
ISBN: | 9789898698469 |
Publisher: | Projecto Adamastor |
Publication: | September 28, 2016 |
Imprint: | Projecto Adamastor - Clássicos |
Language: | Portuguese |
Existir na grande cidade, sozinho, sem beijos — era o mesmo para o artista do que se vivesse com uma companheira garrida, suave, de carne audaciosa. Ao passo que hoje, em Lisboa, ainda que tivesse a melhor das amantes, se sentiria igualmente solitário, longe de todos os beijos, de toda a gentileza.
A capital latina evocava-lhe um grande salão iluminado a jorros — perfumes esguios, luas zebradas, cores intensas, rodopiantes...
Lisboa era uma casa estreita, amarela — parentes velhos que não deixam sair as raparigas — luz de petróleo, tons secos, cheiro de alfazema...
E fora este amor enorme de Paris tão lucidamente sentido que lhe salvara por certo a vida, há mais dum ano.
A sua existência atravessava então, sem motivos, uma crise extrema, desolada em angústia. Via-se sem forças, morto para todos os entusiasmos: o cérebro líquido, a alma quebrada — a ponto que decidira fortemente meter uma bala no coração... Mas fora em Paris, e ah! lembrava-se tão bem da onda circular de orgulho triunfal que o evadira uma tarde, arremessando-lhe para longe essa ideia negra...
Tinha sido na Place Blanche. Acompanhava-o um amigo, jovem pintor cubista e de gorro de peles. Parados em face do Moulin-Rouge, os dois conversavam...
O pintor ia tagarelando qualquer episódio banal, — ele, nem o ouvindo, extático no ambiente que os cercava...
Era uma alegria de feira ao seu redor... No moinho do célebre music-hall, mansamente, principiavam a girar as velas de luz vermelha... camelots gritavam os jornais da noite... um carroussel volteava próximo, ao som rouco dum órgão mecânico... rapariguinhas pintadas seguiam no crepúsculo, em perfil perdido, galantes... Ali se focava bem sensível, em festa, o Paris tradicional — o Paris dos estrangeiros que todos, nas nossas terras, desde crianças sonhamos...
E perante o cenário inútil, barato na aparência, o artista sentira — ah! de súbito, em verdade, sentira alucinadamente, Paris dentro de si: traspassando-o, lavando-lhe a alma, acendendo-o de mil luzes — golfando seios, entornando Champanhe, fustigando oiro...
Existir na grande cidade, sozinho, sem beijos — era o mesmo para o artista do que se vivesse com uma companheira garrida, suave, de carne audaciosa. Ao passo que hoje, em Lisboa, ainda que tivesse a melhor das amantes, se sentiria igualmente solitário, longe de todos os beijos, de toda a gentileza.
A capital latina evocava-lhe um grande salão iluminado a jorros — perfumes esguios, luas zebradas, cores intensas, rodopiantes...
Lisboa era uma casa estreita, amarela — parentes velhos que não deixam sair as raparigas — luz de petróleo, tons secos, cheiro de alfazema...
E fora este amor enorme de Paris tão lucidamente sentido que lhe salvara por certo a vida, há mais dum ano.
A sua existência atravessava então, sem motivos, uma crise extrema, desolada em angústia. Via-se sem forças, morto para todos os entusiasmos: o cérebro líquido, a alma quebrada — a ponto que decidira fortemente meter uma bala no coração... Mas fora em Paris, e ah! lembrava-se tão bem da onda circular de orgulho triunfal que o evadira uma tarde, arremessando-lhe para longe essa ideia negra...
Tinha sido na Place Blanche. Acompanhava-o um amigo, jovem pintor cubista e de gorro de peles. Parados em face do Moulin-Rouge, os dois conversavam...
O pintor ia tagarelando qualquer episódio banal, — ele, nem o ouvindo, extático no ambiente que os cercava...
Era uma alegria de feira ao seu redor... No moinho do célebre music-hall, mansamente, principiavam a girar as velas de luz vermelha... camelots gritavam os jornais da noite... um carroussel volteava próximo, ao som rouco dum órgão mecânico... rapariguinhas pintadas seguiam no crepúsculo, em perfil perdido, galantes... Ali se focava bem sensível, em festa, o Paris tradicional — o Paris dos estrangeiros que todos, nas nossas terras, desde crianças sonhamos...
E perante o cenário inútil, barato na aparência, o artista sentira — ah! de súbito, em verdade, sentira alucinadamente, Paris dentro de si: traspassando-o, lavando-lhe a alma, acendendo-o de mil luzes — golfando seios, entornando Champanhe, fustigando oiro...