Author: | Machado de Assis | ISBN: | 9789898698513 |
Publisher: | Projecto Adamastor | Publication: | June 4, 2018 |
Imprint: | Projecto Adamastor - Clássicos | Language: | English |
Author: | Machado de Assis |
ISBN: | 9789898698513 |
Publisher: | Projecto Adamastor |
Publication: | June 4, 2018 |
Imprint: | Projecto Adamastor - Clássicos |
Language: | English |
Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba, — um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dous motivos, um doutrinário, outro particular.
— Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano…
— Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? — disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.
— Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?
Rubião fez um gesto negativo.
— Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e…
O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba:
— Meu pobre amigo! meu bom amigo! meu único amigo!
— Único!
— Desculpa-me, tu também o és, bem sei, e agradeço-te muito; mas a um doente perdoa-se tudo. Talvez esteja começando o meu delírio. Deixa ver o espelho.
Rubião deu-lhe o espelho. O doente contemplou por alguns segundos a cara magra, o olhar febril, com que descobria os subúrbios da morte, para onde caminhava a passo lento, mas seguro. Depois, com um sorriso pálido e irônico:
— Tudo o que está cá fora corresponde ao que sinto cá dentro; vou morrer, meu caro Rubião… Não gesticules, vou morrer. E que é morrer, para ficares assim espantado?
Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba, — um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dous motivos, um doutrinário, outro particular.
— Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano…
— Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? — disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.
— Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?
Rubião fez um gesto negativo.
— Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e…
O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba:
— Meu pobre amigo! meu bom amigo! meu único amigo!
— Único!
— Desculpa-me, tu também o és, bem sei, e agradeço-te muito; mas a um doente perdoa-se tudo. Talvez esteja começando o meu delírio. Deixa ver o espelho.
Rubião deu-lhe o espelho. O doente contemplou por alguns segundos a cara magra, o olhar febril, com que descobria os subúrbios da morte, para onde caminhava a passo lento, mas seguro. Depois, com um sorriso pálido e irônico:
— Tudo o que está cá fora corresponde ao que sinto cá dentro; vou morrer, meu caro Rubião… Não gesticules, vou morrer. E que é morrer, para ficares assim espantado?